O director do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Luanda, Manuel Alves da Rocha, disse em Lisboa que há projectos públicos no país que estão a ser adjudicados pelo Governo sem contratos públicos. Tudo normal, dirão certamente os paladinos do virtuosismo do Governo de João Lourenço.
“Têm vindo a público informações sobre contratos sem concurso público, de menor valor do que no tempo de José Eduardo dos Santos (ex-Presidente de Angola), é certo, mas não é uma boa informação sabermos que há adjudicação de projectos com base em listas”, disse Manuel Alves da Rocha em declarações aos jornalistas no final da apresentação do livro “Angola, Dois Olhares Cruzados”, em co-autoria com Manuel Ennes Ferreira.
“O processo de luta contra a corrupção não é apenas uma intenção. João Lourenço fez do combate à corrupção um autêntico programa de Governo, o que não é correcto, porque nunca se vai conseguir erradicar completamente a corrupção, e já há ocorrências em que projectos públicos são adjudicados sem um concurso público, e a implementação de mais transparência era uma das principais tarefas” do Presidente, lamentou o académico angolano.
“O meu cepticismo (relativamente a João Lourenço) decorre de ter sido secretário-geral do MPLA, membro de governos provinciais e ministro de vários pastas e de haver informações de que a luta dentro do partido está acesa, porque não é com facilidade que se podem destruir grupos de pressão que sempre beneficiaram deste tipo de abordagem ao dinheiro público”, disse Alves da Rocha.
O cepticismo e as críticas não decorrem da vontade de querer deixar as coisas como estavam, “antes pelo contrário”, garantiu, explicando que “a dúvida está na eficácia de tudo isto, partindo do princípio de que a luta contra a corrupção está a ser feita através de pessoas que eram corruptas, e que não se sabe se ainda são ou não”.
Será por isso que o presidente executivo do Standard Bank Angola está preocupado com o crescimento “manifestamente baixo” esperado da economia do país em 2020, na ordem do 1% do Produto Interno Bruto (PIB)? Será por isso que João Lourenço continuar a lançar cortinas de fumo no formato Dos Santos.
Será por isso que para a EXX Africa a ordem judicial que arresta os bens de Isabel dos Santos em Angola “é vaga sobre quais os activos que ficam imobilizados e há especulação sobre a data da divulgação, que parece ter sido especificamente escolhida para ter uma atenção maior dos meios de comunicação social”?
Será por isso que o director da consultora, Robert Besseling, diz que “há fontes locais que dizem que Isabel dos Santos está a ser alvo do Governo para entregar certos activos na banca e nas telecomunicações nas vésperas das privatizações, para agradar aos investidores estrangeiros, mas sem seguir as diligências processuais”?
Será por isso que Alves da Rocha disse em Agosto do ano passado que o Fundo Monetário Internacional (FMI) e outras entidades internacionais são prejudiciais à economia angolana e que Angola precisa de um modelo económico próprio em vez de “copiar” o que vem de fora?
Em declarações à Lusa, à margem de um seminário sobre relações China-Angola, Alves da Rocha salientou que o modelo do FMI não é o único a seguir e que se devem procurar alternativas.
Será por isso que Alves da Rocha questionou: “Numa situação de pobreza, de rendimentos escassos, como é que se aceita um acordo com o FMI cujas traves mestras são a diminuição do investimento público, o corte de despesas públicas, o aumento dos impostos?”
Será por isso que Alves da Rocha explica que “o FMI impõe a ideia de que primeiro tem de haver o ajustamento macroeconómico, a eliminação do défice orçamental, a redução da dívida pública no Produto Interno Bruto, a redução da inflação, aquele receituário que a gente já conhece (…) Esquecem-se de que consolidação sem crescimento económico e redução da pobreza não existe”?
O economista disse também que “se é fundamental ter o FMI” para mudar a imagem externa do país e a sua capacidade de contratação de empréstimos no mercado internacional, então Angola está “muito mal”.
Por outro lado, citou o caso de Portugal como um exemplo a seguir: “Conseguiram sair da troika e gizar um modelo, contra todas as ortodoxias do Banco Mundial, do Banco Central Europeu, do FMI, que estiveram presentes durante aquele período dos cortes orçamentais e assentaram o essencial do crescimento da economia do lado da procura”.
Será por isso que, quanto ao executivo, Alves da Rocha sugeriu que saia do modelo que está a seguir, definido pelo FMI e pelo Banco Mundial, e procure alternativas junto das academias e centros de pesquisa. Entre as alternativas, sugeriu “parcerias estratégicas” com a China, rejeitando que estas impliquem uma excessiva dependência do que já é actualmente o principal parceiro comercial de Angola.
Será por isso que, para Alves da Rocha, maior é a dependência existente em relação ao FMI e ao Banco Mundial, porque Angola está convencida de que só com o acordo com FMI poderá captar investimento estrangeiro, o que no seu entender é “errado”?
O responsável do CEIC afirmou ainda que a diversificação da economia, uma bandeira do governo do presidente João Lourenço, exige “um processo” que não está a acontecer por falta de “capacidade e modernidade” dos empresários e de uma classe trabalhadora pouco qualificada.
Sobre os acordos de financiamento que João Lourenço negociou entre Dezembro de 2018 e o primeiro trimestre de 2019, que estima em cerca de 12 mil milhões de dólares (10,6 mil milhões de euros) considerou que, por enquanto, se limitam a “anúncios”, sem repercussão na economia real.
Logo nos primeiros dias do consulado do general a frente de Angola, tive uma conversa, tertúlia, com alguns colegas onde adiantei que a situação de Angola apenas mudou de condutor. A viatura é a mesma e as estradas são aquelas mesmas que os colonialistas portugueses deixaram, por isso, não vale a pena embandeirarmos no arco. A nossa viagem vai continuar intranquila, sem nenhuma mudança. Os resultados vieram me darem a razão. A situação em Angola nunca atingiu os níveis de indigência como hoje. Faltam apenas dois anos e meio para outras eleições e, com certeza, os angolanos não poderão levar ao poder novamente o «ninho de marimbondos», a menos que estejam satisfeitos com a vida que levam.